quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Um par de sapatilhas



         Mais um par, venha o próximo.
         Hoje já tinha cosido mais de uma centena de sapatilhas, no entanto o que recebo por isso não chega sequer para comprar uma. O meu nome é Adrika, tenho doze anos e passei os últimos quatro a trabalhar.
         Nem sempre foi assim. Já fui à escola. Mas com sete irmãos mais novos e após a morte do meu pai, tornou-se um luxo do qual, infelizmente, tive de abdicar. Tenho saudades das aulas, dos livros, dos intervalos, de correr, de saltar e de brincar com as outras raparigas da minha idade.
Hoje passo 14 horas por dia confinada num pavilhão húmido e quente, mal iluminado e ensurdecedor, devido ao matraquear de várias máquinas de costura de serviço em uníssono. Devemos ser cerca de 500 trabalhadores restringidos neste ambiente. Sou a mais nova. A minha função é coser sapatilhas. Ensinou-me a minha mãe como se fazia, pois também esse era o ofício dela. É fácil e depois de se apanhar o jeito torna-se mecânico. O que custa são as longas horas de trabalho. Contudo, já estou habituada e, cada vez mais, mentalizo-me que esta poderá ser a única realidade que irei conhecer.
Muitas vezes dou por mim a imaginar quem irá comprar as sapatilhas que coso. Normalmente, vem-me à cabeça a imagem de uma criança europeia. Tem olhos redondos e azuis, de cabelo loiro e tez clara, vestida e calçada, protegida pelos seus pais que opinam sobre quais os ténis mais modernos, na época louca dos saldos. Como se vê na televisão que eu não tenho...
Depois retomo o trabalho e foco-me de novo.
Mais um par, venha o próximo.













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